10/03/2010

Progresso e história nas cargas da FTC

Gerações no caminho do trem

Trens da Ferrovia Tereza Cristina alteram rotina de doze municípios do Sul catarinense provocando admiração e trazendo o progresso

O chão balança,e lá ao longe se ouve um apito. Ao mesmo tempo, conversa, tensão e de repente, um choro. É dia 30 de dezembro, a Criciúma dos anos 70 não era tão agitada e nem tão moderna quanto agora. As crianças geralmente nasciam nas próprias casas. Enquanto mais uma menina vinha ao mundo, a velha Maria Fumaça cumpria outra vez o seu papel de transportar o carvão que tanto progresso trouxe, e ainda traz, para a terra do pequeno bebê que acabara de nascer.

Não poderia ser diferente, o fascínio que a dona-de-casa Maria Helena Rafael Pacheco Alexandre sente pelo trem. Ela nasceu com uma Maria Fumaça passando em frente a sua casa, no bairro Tereza Cristina, há 39 anos. A mãe, Lorena Rafael Pacheco, é natural de Forquilhinha, mas mora no bairro há 53 anos. Além destas gerações, os filhos de Helena também nasceram e crescem na beira dos trilhos.

A garotinha que antes corria atrás do trem e abanava para o maquinista, hoje recorda com saudade os tempos da infância. “Outro dia passou uma Maria Fumaça aqui na frente de casa, eu cheguei a chorar. O trem é a história da minha vida”, confidenciou Helena. Desacostumados poderiam reclamar de alguns horários em que o trem passa, porém para a família, mesmo durante a noite, não há qualquer problema com o vizinho barulhento. “Se eu estiver dormindo não acordo, para mim é algo normal”, garantiu Helena.

“Os nenéns se incomodam nas primeiras noites, depois se acostumam também”, brincou a irmã de Helena, Paula Rafael Pacheco. A grande experiência é tão grande que, mesmo longe, é possível saber se o trem está vindo. “Dá para sentir o chão vibrar, até quando o trem está na estação”, explica Helena, que mora a mais de 200 metros de onde a máquina para.

Mesmo que o Tereza Cristina seja considerado um bairro violento, a família chega a sofrer em pensar na possibilidade de deixar para trás a vida no local. “As pessoas não sabem o quanto eu amo morar aqui, não tem preço. Já me ofereceram casa para trocar, mas eu não tenho vontade de sair”, garantiu Helena. “Eu penso em ficar aqui para o resto da vida, a gente viu esse lugar crescer, aqui é a minha família”, comentou Lorena. O único inconveniente é o atual descuido com a linha férrea, que está com muito mato no entorno.

Em Criciúma, a estação possui dois ramais, recebendo cargas de Forquilhinha e Siderópolis. São nove carregamentos diários para a termelétrica Jorge Lacerda, contando com o ramal de Urussanga, que vai direto para Capivari de Baixo, sem passar pela estação, no bairro Pinheirinho. Os horários oscilam, mas geralmente as linhas funcionam às 6h30, 10h, 12h, 16h 18h, e 20h. A maior parte do carvão vem da linha da região de Siderópolis, reunindo 48% da carga. Forquilhinha tem 32%, enquanto Urussanga corresponde a 16%. Mais de 40 funcionários trabalham no local.

O Homem e a Maria Fumaça

José Pavanatti dedica a vida aos trilhos. Em 1965, quando ingressou na Ferrovia Tereza Cristina, a Maria Fumaça transportava o progresso pelo Sul catarinense. Máquinas desse tipo estão aposentadas desde 1981. Em 1993, Pavanatti também deixou as atividades normais, contudo, a ligação do homem com os trilhos persiste até hoje. O maquinista conduz desde então a charmosa Maria Fumaça no trem turístico do Museu Ferroviário.

No comando de locomotivas norte americanas e alemãs, da década de 1940, Pavanatti se orgulha da função. “Espero ir ainda mais longe, para mim é uma grande satisfação e honra”, avaliou. Enquanto trabalhava nas linhas normais da Ferrovia, o maquinista percorreu todos os itinenários. “O trem turístico tem que ser guiado com mais cuidado, para evitar solavancos entre os vagões”, explicou Pavanatti, mais que acostumado com a rotina. Ainda assim, todos os anos o experiente maquinista passa pelo mesmo treinamento dos colegas das linhas convencionais da Ferrovia. “Tudo isso é feito em função de questões de segurança”, justificou.

Mais de um século de altos e baixos sob os trilhos

Se o dia 30 de dezembro foi marcante na história da família Pacheco Alexandre, para a Ferrovia Tereza Cristina, passar na frente da casa em que acontecia o parto de uma menina, era seguir mais uma das milhões de viagens realizadas ao longo da história da companhia.

O historiador José Warmuth Teixeira conta que o pioneiro no setor carbonífero foi o Barão de Barbacena, Felisberto de Caldeiras Brand e Pont. Sob o comando d euma comitiva de ingleses, o Barão Barbacena veio explorar o carvão em Lauro Müller. Em 1861, ele requereu do Império a possibilidade de extração e EME 1874, a concessão para construir uma estrada férrea. Surgia então a “The Donna Thereza Chistina Railway Company Limited”.

Contudo, por não ter boa qualidade, o carvão de Lauro Müller rendeu apenas um embarque, em 1887 e a mineradora faliu. Os 150 vagões trazidos da Europa para o transporte de minérios ficaram parcialmente ociosos, até novas descobertas, como a que aconteceu no início do século XX, em Criciúma, nas terras de Giácomo Sônego. Em 1919, houve o primeiro carregamento de carvão até o Porto de Laguna. Além do transporte do minério, cargas agropecuárias se valeram dos trilhos para escoamento de produção. “Ao contrário da Europa, onde as ferrovias se instalaram dentro das cidades já construídas, no Sul de Santa Catarina, as localidades cresceram às margens das linhas de trem da Tereza Crsitina”, lembrou Warmuth.

Após os anos áureos do setor, recentemente, ações do presidente Fernando Collor trouxeram uma nova mudança. “A qualidade do carvão é baixa, com 30% de teor de cinzas. Para as siderúrgicas, trazer o carvão da Inglaterra e do Canadá é mais barato que comprar a produção local. Restou às carboníferas a venda ao Complexo Jorge Lacerda”, explica Warmuth.

Boas perspectivas para presente e futuro

Em 13 anos de gestão privada, desde 1º de fevereiro de 1997, a Ferrovia Tereza Cristina investiu mais de 50 milhões em locomotivas, vagões, linhas férreas, equipamentos e manutenção. São mais de 34 milhões de toneladas de cargas transportadas. “A vantagem dessa forma de gestão é a autonomia e flexibilidade, que refletem na maior satisfação do cliente”, argumentou o gerente de administração, José Gilberto Machado. A principal missão atual da FTC é o transporte de carvão para o Complexo Termelétrico Jorge Lacerda. “Participam do Consórcio Catarinense de Carvão Energético dez empresas, que tem uma cota de 200 mil toneladas de carvão por mês para levar até a Tractebel”, informou o gerente comercial, Carlos Augusto Menezes.

A FTC é uma ferrovia isolada, ou seja, não se interliga com a malha ferroviária nacional. Junto à diversificação dos produtos transportados, o projeto para execução da Ferrovia Litorânea, que estenderá as linhas até Araquari, na região Norte do Estado, interligando os portos catarinenses, promoverá um considerável avanço na economia do Sul de Santa Catarina.

Conforme Machado, atualmente transcorre a fase de concepção do projeto. O presidente da Frente Parlamentar em Defesa das Ferrovias, deputado estadual Pedro Uczai, acredita que ainda neste mês, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, possa anunciar um pacote de medidas para alavancar o setor, que contemplaria a Ferrovia Litorânea. Somente o desenvolvimento do projeto está orçado em mais de R$20 milhões.

“Em cinco ou dez anos vai se falar em saturação da BR-101 duplicada. Ao invés de triplicar, precisamos pensar em alternativas para desafogar a rodovia. Uma delas é a construção de ferrovias”, garante Menezes. O presidente da Associação Brasileira de Carvão Mineral, Fernando Zancan, acredita que, além do setor que comanda, todos os outros experimentarão o progresso com a nova ferrovia. “O escoamento de produção do Sul do Estado pode passar pela ligação ferroviária. A interligação trará um desenvolvimento fantástico que serve para toda a indústria e para o setor carbonífero é fundamental”, ponderou Zancan. Outro projeto, ainda em fase menos avançada, é o que prevê o prolongamento das linhas até o Rio Grande do Sul, de Içara a Canoas, conectando a região ao Mercosul.

Enquanto a Ferrovia Litorânea não sai do papel, a exploração do Porto de Imbituba é tida como outro caminho para otimizar a logística. Em 2004, houve o primeiro carregamento, de 800 toneladas de produtos cerâmicos, partindo do Criciúma Terminal Intermodal, no bairro Renascer. As operações seguiram até 2006, com o transporte de mais de 40 mil toneladas de pisos e azulejos até Imbituba. Em 2007, armadores que realizam as atividades deixaram o porto, que também sofreu com avarias em sua estrutura. Após mais de R$ 283 milhões em investimentos, de março até dezembro do ano passado, 635 contêineres foram movimentados.

Segundo Menezes, a cabotagem, transporte via oceano entre os portos é outra opção viável para o deslocamento de mercadorias. “As cargas são levadas a Imbituba e dali partem para outros portos do estado, Paranaguá (PR), para o Nordeste ou até Manaus (AM)”, explicou o gerente comercial. Ainda segundo Menezes, empresas oferecem diferentes opções de entrega de cargas.”Algumas levam até o porto e as companhias levam com caminhões próprios, outras levam do vendedor até o cliente final, depende da necessidade”, contou Menezes.

Para o futuro, não se descarta a possibilidade de transporte de passageiros. “Na Europa tudo se desenvolve pelos trens. Por lei, alguns produtos têm transporte obrigatória por trilhos”, garantiu Menezes. “O governo brasileiro pensa em restaurar o transporte ferroviário, mas existe um lobby do transporte rodoviário o que prejudica o progresso”, comenta o historiador José Warmuth Teixeira.

Medidas de segurança reduzem em 90% índices de acidentes

Com 164 quilômetros de extensão, a Ferrovia Tereza Cristina altera a realidade dos doze municípios que corta. Em contrapartida, várias ações sociais são realizadas. “Promovemos responsabilidade social com a intenção de construir uma aproximação com a comunidade”, afirmou o gerente de administração, José Gilberto Machado. “A preocupação é tanto com a qualidade de vida externa, quanto com a de nossos colaboradores”, completou a gerente do departamento de gestão de pessoas, Eliane Maria Fernandes de Souza.

Pare, Olhe e Escute, este é um dos mais famosos slogans da publicidade Sul Catarinense. O programa “Paz na Linha” indica a necessidade de atenção quando o trem atravessa rodovias. “Visitamos escolas e realizamos panfletagens em regiões cortadas pelos trilhos”, explicou Eliane. Com trabalhos preventivos, os índices de acidentes foram reduzidos em 90%, a partir da privatização do regime administrativo, em 1997. “O resultado é obtido com o comprometimento da empresa e de seus colaboradores com a segurança, conscientizando crianças, motoristas e pedestres quanto à prevenção de acidentes na linha férrea”, destacou o diretor-presidente da FTC, Benony Schmitz Filho.

Devido a consciência, a família que apresentamos no começo desta reportagem nunca teve qualquer tipo de acidente. “Ensinei para os meus filhos o que aprendi da minha mãe: quando o trem passa tem que vir para trás da cerca ou dentro de casa. No final, é mais seguro morar na beira do trilho do que em muitas ruas por aí”, exemplificou Maria Helena Rafael Pacheco Alexandre.

Além desta, que é a maior ação promovida, outros pequenos projetos apresentam resultados gigantes, como o “Ser Eficiente”, que inclui portadores de necessidades especiais nos quadros da empresa, assim como o programa de “Ressocialização de Detentos”. Na educação, bolsas de estudo na SATC são disponibilizadas. Além disso, 85 crianças carentes participam de escolhinhas de futsal.

Antes do Carnaval, profissionais vieram de Tubarão fazer panfletagem na praça Nereu Ramos. Mo projeto “Carnaval com mais Saúde”, kits com materiais preventivos foram entregues à população. “Fizemos parcerias com as prefeituras das cidades onde passamos, acabamos motivando também o trabalho deles”, assegurou a técnica de enfermagem da FTC, Rosana Silvério. Em 2007, este projeto, que é realizado há sete anos, recebeu um prêmio nacional. Além desse e de outros prêmios, a FTC possui as certificações ISO 9001, gestão da qualidade, ISO 14001, gestão ambiental, e OHSAS 18001, gestão segurança e saúde ocupacional.

Fonte: Jornal da Manhã

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