De uns tempos para cá, executivos e técnicos de grandes grupos
empresariais – entre os quais a petroquímica Repsol, a fabricante de
refratários RHI Magnesita e a fundição Tupy – passaram a acompanhar com
interesse um conjunto de pesquisas conduzidas no Centro Tecnológico Satc
(CTSatc), em Criciúma, no Sul de Santa Catarina.
Nos laboratórios da instituição, um grupo de engenheiros dedica-se há
anos ao desenvolvimento de uma nova tecnologia para capturar o carbono
emitido na queima de combustíveis fósseis tanto em centrais geradoras de
energia quanto em indústrias. “Somos cada vez mais procurados por
companhias como essas para saber mais sobre o nosso trabalho”, diz o
engenheiro químico Thiago Fernandes Aquino, líder do Núcleo de Energia e
Desenvolvimento de Produtos do CTSatc.
Dá para entender o que tanto atrai o mercado. Empresas do mundo
inteiro batalham para diminuir as emissões de gases causadores de efeito
estufa, pressionadas tanto por governos e órgãos reguladores correndo
contra o tempo para cumprir metas firmadas em tratados internacionais
quanto por consumidores e investidores para quem as questões ambientais
passaram a ocupar o topo da agenda.
O assunto é particularmente importante para o setor elétrico. Nos
últimos anos, houve um expressivo crescimento na geração solar e eólica.
Essas fontes não são estáveis o suficiente para sustentar sozinhas o
fornecimento de energia – prova disso é a crise pela qual passa no
momento a União Europeia, onde uma estação de pouco vento está
comprometendo o sistema elétrico.
Situações assim reforçam o papel das termelétricas para dar segurança
ao fornecimento de energia – mas para isso essas usinas terão de se
adaptar, neutralizando suas emissões de gases. Para se ter uma ideia, os
projetos na área de captura, utilização e armazenamento de carbono
(CCUS, na sigla em inglês) somavam 27 bilhões de dólares em
investimentos no ano passado, segundo os dados da Agência Internacional
de Energia – um valor que tende a se multiplicar para que o setor
elétrico global neutralize suas emissões de carbono até 2050.
Na Satc, são animadores os resultados obtidos até aqui. Por enquanto,
os testes têm sido realizados numa planta-piloto na qual a queima de um
gás combustível simula o funcionamento de uma termelétrica – o projeto
foi implementado com recursos da Eneva, empresa de exploração de gás
natural no Brasil e geradora de energia com três usinas termelétricas
que somam 2,8 gigawatts de capacidade instalada. A nova tecnologia
mostrou-se capaz de capturar cerca de 50% do carbono emitido.
O projeto consumiu até agora cerca de R$ 11 milhões e está prestes a
entrar numa nova fase – a última antes de uma aplicação comercial. Para
isso, outros R$ 11 milhões devem ser investidos nos próximos três anos. O
primeiro desafio desse período é elevar o percentual de carbono
capturado para 90%. O outro é baixar os custos por tonelada de carbono
sequestrada dos atuais 50 dólares para algo próximo de 30 dólares,
patamar no qual a tecnologia passa a ser competitiva para uso em
termelétricas, segundo acreditam especialistas mundo afora.
A captura de carbono é fundamental para o crescimento nas próximas décadas
Desenvolver uma solução para diminuir as emissões de carbono na
atmosfera é uma tarefa de relevância mundial. Sem isso, será mais
difícil assegurar o crescimento da economia global de modo sustentável. O
empreendimento do CTSatc tem, além disso, significativa importância
regional. Bem sucedido, será um marco na transformação do setor
carbonífero do Sul catarinense. As mineradoras locais são responsáveis
por manter a Satc e seu centro tecnológico. Essas empresas buscam
assegurar para o carvão, um dos principais recursos naturais de Santa
Catarina, um futuro limpo e ambientalmente responsável.
Não é uma preocupação recente. As pesquisas relacionadas à captura de
carbono, por exemplo, iniciaram há mais de uma década. A história
envolve, além das empresas de mineração, o apoio do poder público –
parte dos recursos veio de órgãos como a Fundação de Apoio à Pesquisa de
Santa Catarina (Fapesc). Existem mais parceiros do setor privado, como a
Eneva. Em várias etapas do projeto, houve a participação de outras
instituições de pesquisa, como a PUC-RS e a Coppe, vinculada à UFRJ e um
dos principais centros de ensino e pesquisa em engenharia da América
Latina.
A origem de todo o trabalho, porém, está numa parceria internacional
da Satc com a empresa Adsorption Research Inc. (Ari), com sede em
Dublin, Ohio. Os americanos haviam realizado experimentos em pequena
escala para utilizar na captura de carbono uma substância pouco
conhecida do público em geral, mas amplamente utilizada em diversos
setores industriais, dentre os quais destaca-se o refino de petróleo.
Os criciumenses interessaram-se em desenvolver a solução em escalas
mais próximas de uma aplicação real. O encontro foi promovido pelo
National Energy Technology Laboratory (NETL), laboratório de pesquisa
ligado ao Departamento de Energia dos Estados Unidos (US-DOE), com o
qual a Satctem uma parceria para desenvolver projetos relacionados à
gaseificação de carvão, à recuperação de áreas degradadas e à captura de
CO2.
Tratava-se, na época, de um caminho alternativo para sequestrar as
emissões de carbono. Boa parte das principais tecnologias existentes
usam materiais absorventes – simplificando bastante, são solventes que
incorporam em si o material absorvido. Os adsorventes, por sua vez, são
geralmente materiais capazes de reter outras substâncias na superfície. É
o caso da zeólita, um material sólido composto de silício, alumínio e
um metal alcalino. No microscópio, a zeólita apresenta uma estrutura
coberta de poros, onde o gás carbônico fica retido.
Ao longo do processo, os engenheiros da Satc desenvolveram a
capacidade de produzir zeólitas sintéticas a partir das cinzas do
carvão, que compõem de 30% a 40% do minério extraído em Santa Catarina.
A técnica para sintetizar o material rendeu à instituição sua primeira
patente verde, concedida pelo Instituto Nacional de Propriedade
Intelectual (Inpi).
O carvão pode dar origem a uma indústria ambientalmente sustentável
Quando a tecnologia da captura de carbono estiver plenamente
desenvolvida, poderá equipar usinas que tanto geram energia quanto
produzem insumos para a indústria de fertilizantes. Há três unidades
desse tipo projetadas para o Sul de Santa Catarina. Parte do carbono
capturado nas chaminés deixará de ser liberada na atmosfera para ser
armazenada no subsolo. Outra parte poderá ser utilizada na produção de
dióxido de carbono (CO2) para uso industrial.
As zeólitas obtidas da cinza de carvão também têm aplicação na
agricultura, seja como ingrediente na composição de fertilizantes
(retardando a liberação de nutrientes e aumentando a eficiência da
adubação), seja como estabilizador do solo, retendo umidade
(possibilitando às lavouras melhores condições para suportar longos
períodos de seca). “Poderemos no futuro fechar o ciclo do carvão,
aproveitando ao máximo esse recurso natural numa cadeia de produção
limpa”, diz Marcio Zanuz, diretor técnico do Sindicato da Indústria de
Extração de Carvão de Santa Catarina.
Por ora, os envolvidos no trabalho se mantêm entusiasmados com as
possibilidades. “Já conhecemos os caminhos a percorrer para a tecnologia
ganhar competitividade e eficiência na captura de carbono”, diz o
engenheiro Aquino. A esperança é que, por volta de 2023 ou 2024, o
sistema esteja pronto para ser aplicado numa das termelétricas da Eneva.
Isso ampliaria os horizontes para o setor carbonífero Sul catarinense –
e atrairia ainda mais os olhares do mercado para as pesquisas feitas
nos laboratórios da Satc.
Texto: Deize Felisberto, assessoria de imprensa da Acic.