04/02/2022

Ferrovias planejam ‘regulação privada’

Os atuais operadores defendem que esse papel seja assumido pela ANTF (Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários). Porém, essa decisão e os termos de como será a transição terão que passar por regulamentação adicional (o que deverá vir por decreto) e por discussões entre empresas e órgão regulador.

 

A autorregulação deverá se aplicar apenas a temas de padronização técnico-operacional. Por exemplo: a idade máxima para o uso de material rodante; a velocidade que trens podem imprimir em determinada curvatura; regras específicas de segurança no transporte de cargas perigosas. Também terá a função de conciliar conflitos entre empresas, exceto quando estes forem de natureza comercial e concorrencial. A ANTT, que segue como reguladora de assuntos econômicos, também atuará como supervisora da entidade autorreguladora.

 

“A ideia é deixar a ANTT focar na regulação econômica e delegar a parte técnica às empresas, que conhecem o dia a dia da operação. Hoje, há temas específicos que são regulados de forma inadequada porque a agência federal não tem essa vivência e acaba muitas vezes assumindo uma postura excessivamente cautelosa”, avalia Fernando Paes, diretor-executivo da ANTF.

 

Ele cita como exemplo o transporte de combustíveis. Hoje, ferrovias como a Transnordestina e a Norte-Sul já têm operações relevantes desse tipo de carga, porém, a avaliação é que o potencial de expansão do segmento é muito grande, a partir da autorregulação. “Hoje as normas da ANTT trazem muita dificuldade e inibem o transporte de combustíveis por ferrovias. Com a nova lei, isso poderá mudar”, diz.

 

Questionada sobre o novo modelo, a ANTT afirma que sua interferência nos temas que forem repassados à entidade de autorregulação será exceção. Porém, caso as normas afetem a competitividade do mercado, deverá haver atuação de “órgãos de defesa da concorrência e do regulador ferroviário”. A agência diz que ainda está estudando de que forma será feita essa fiscalização do autorregulador ferroviário.

 

O órgão também afirma que a edição de regras pelo autorregulador não impede que a ANTT também tenha normas sobre o mesmo tema, porém, sob outra ótica, por exemplo, do acompanhamento da prestação do serviço. Portanto, a agência irá analisar caso a caso a necessidade de revogar suas resoluções em vigor.

 

Para analistas, o modelo de autorregulação é uma novidade no segmento de concessões de transportes, mas já é bastante conhecido em outros setores. Um caso de referência é o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária). Outro exemplo citado é o do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), que tem uma atuação semelhante, avalia Patrícia Sampaio, professora da FGV Direito Rio.

 

Para ela, o modelo de autorregulação no geral traz benefícios e riscos. O lado positivo é que as normas são feitas com mais conhecimento técnico, tendem a ter mais adesão e menos questionamentos e judicialização. Por outro lado, há alguns pontos de atenção. Por exemplo, o risco de criação de barreiras de entrada a novos entrantes, por meio de normas que só os grandes grupos são capazes de cumprir, ou o risco de uma coordenação de operadores que, eventualmente, possa gerar boicote a outros atores do mercado, explica.

 

No caso específico do setor ferroviário, Sampaio avalia que, o fato de as normas serem direcionadas a temas técnico-operacionais, e não econômicos, esses riscos são mitigados. “Ainda há alguma possibilidade de se criarem barreiras de entrada, mas que ainda pode ser dirimido a depender da regulamentação da lei”, diz.

 

“É importante que haja muita transparência na elaboração de regras, com consultas públicas, além de um estatuto que garanta representatividade a operadores grandes e menores, autorizatários e concessionários, federais e subnacionais”, afirma.

 

Para Rafael Vanzella, sócio do Machado Meyer, o risco de uma captura da entidade autorreguladora é mitigado pela atuação que a agência federal deverá seguir exercendo. “Em caso de conflitos sobre as regras, a palavra final continua da ANTT, do Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica]”, diz.

 

Ele avalia que o modelo traz muitas vantagens, não só pela qualidade das normas editadas, mas também por desafogar a ANTT. Porém, o advogado afirma que ainda há muitas dúvidas sobre como o modelo irá evoluir. “É uma novidade, uma mudança em fase muito embrionária.”


Fonte: Valor

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